Caraguatatuba Cidades

Apesar da quarentena, lixo continua poluindo praias do Litoral Norte

Tamoios News

Por Salim Burihan

Apesar da quarentena imposta pelo novo coronavírus, do distanciamento social, de ser baixa temporada e estarmos em pleno inverno, tem sido impressionante a quantidade de lixo encontrada às margens de rios, córregos e em praias do Litoral Norte.

Tudo indica, tratar-se de lixo levado pelas chuvas ou no caso das praias, também, pela maré. Sacos plásticos, garrafas pets, isopor, latinhas de cerveja e, ultimamente, até máscaras de proteção ao covid-19.

Foi registrado, por exemplo, lixo acumulado nas areias das praias em áreas de preservação do jundu e de pássaros como quero-quero e corujas. No rio Santo Antônio, em Caraguatatuba, um saco de lixo boiava na foz do rio em direção a areia da praia. Foi registrado até plástico em galhos de árvore.

Esse lixo todo além de poluir praias, margens de rios e córregos e degradar o meio ambiente, tem sido fatal para os animais marinhos. Além de causar a morte de centenas de animais anualmente, estaria modificando a estrutura óssea de algumas espécies de tartaruga, conforme descobriu o professor e biólogo Edriz Queiroz Lopes, coordenador do projeto SOS Tartarugas Marinhas(Leia abaixo).

A situação piorou na quarentena até no mar é o que afirma o diretor do Instituto Baleia à Vista, Júlio Cardoso, um dos maiores pesquisadores de baleias e golfinhos no Litoral Norte. “No inicio tinha reduzido, mas depois voltou a aparecer muito”, comentou Cardoso, que em suas navegação já localizou carcaças de televisores e até de geladeira em alto mar.

As prefeituras fazem semanalmente a limpeza das praias  e de vez em quando, limpam  córregos e margens de rios. A Prefeitura de Caraguatatuba informa que a coleta de lixo nas praias é feita por uma equipe de seis pessoas na Região Central, três na Norte e três na Sul. Cada praia recebe limpeza pelo menos uma vez por semana. Tanto a coleta de microlixo quanto a de lixo é realizada manualmente.

A incidência maior de produtos encontrados é de pontas de cigarro e descartáveis, além de absorvente, seringas, lixo doméstico, descarte de móveis usados, como sofá, guarda-roupas, entre outros. A limpeza de córregos é feita manualmente por uma equipe de seis funcionários, sendo que cada local recebe limpeza, uma vez por mês.

Em junho/2019 foram recolhidas aproximadamente 3.340 toneladas de lixo doméstico. Já em junho/2020 foram recolhidas aproximadamente 3.395 toneladas de lixo. Segundo a prefeitura, todo ano, é realizado o Projeto Verão no Clima em parceria com o Governo do Estado de São Paulo. Uma campanha de conscientização de resíduo na praia, onde monitores percorrem as praias orientando os banhistas e também a coleta de resíduos.

Animais Marinhos

Golfinho (Sotalia guianensis) é encontrado morto com tira de chinelo presa ao focinho (rostro). Foto: Instituto Argonauta/Ubatuba

Os animais marinhos, tartarugas e golfinhos, são um dos maiores prejudicados quando a população descarta o lixo em local inapropriado. Até o lixo jogado longe do mar, pode afetar os bichos, quando carregado pela chuva, que despeja a água com os resíduos nos rios. E os rios desembocam no mar.

No último ano foram necropsiados 853 indivíduos, destes, 20% tem casos de interação com resíduos sólidos (lixo):10% Tartarugas marinhas; 8% aves marinhas; e, 2% cetáceos.

Ave marinha com fragmento de corda no bico. Foto:Instituto Argonauta

As lesões mais comuns são as obstruções gastrointestinais, úlceras e podendo até ocorrer a perfuração da parede destes órgãos. Muito difícil afirmar as causas da morte de muitos animais, mas destes 21 tiveram a causa da morte diretamente atribuída à presença de resíduos sólidos, entre tartarugas, pardela, pinguins e pufinus.

Além do grande impacto que o plástico pode causar aos animais marinhos,  O plástico tem produtos químicos que contaminam a água e o solo.

tartaruga morreu após engolir bexiga

Essas informações são da bióloga Carla Beatriz Barbosa – coordenadora PMP-BS Trecho 10 Área SP no Instituto Argonauta.

O oceanógrafo Hugo Gallo, do Aquário de Ubatuba e presidente do Instituto Argonautas, disse que  tem percebido o aumento do lixo na quarentena, mais que não se trata de lixo deixado só por turistas, mas sim, pela população local.

Gallo comentou que o Aquário e o Tamar, pioneiros nas ações de conscientização sobre os danos provocados  pelo lixo nas praias e aos animais marinhos decidiu criar o boletim do lixo, que detalha a situação de cada praia da região com relação ao lixo.

“Criamos o boletim por três objetivos: educar a população sobre o tamanho do problema, mostrar quais praias estão melhores e quais estão piores e fazer uma pressão sobre quem frequenta, tem negócios e investe nas praias para que cuide de seu lixo.

“Temos que continuar educando a população e dar condições para que a população possa fazer a destinação correta do lixo. Nas praias, colocar mais lixeiras ou responsabilizar os comércios a cuidarem da limpeza de seus trechos”, sugeriu Gallo.

Danos

Além da mortalidade causada pelo lixo lançado ao mar, a poluição marinha pode estar provocando mutações ósseas em tartarugas, conforme informou o professor e biólogo Edriz Queiroz Lopes, coordenador do projeto SOS Tartarugas Marinhas, em recente reportagem do jornal Tribuna de Santos.

Segundo ele, a poluição marinha e a mudança de hábitos alimentares podem ser algumas das causa de mutações ósseas identificadas em tartarugas encontradas no litoral de São Paulo.

Seu estudo, considerado pioneiro, pode indicar uma tentativa de adaptação dos animais à cada vez maior quantidade de lixo dispensada nos oceanos. Segundo ele, 80% dos animais encontrados encalhados e mortos nas praias tinham consumido lixo.

Estudos do professor Edriz sobre formação óssea das tartarugas. Foto:Arquivo Pessoal/Edriz Queiroz Lopes

Queiroz estudou a formação dos ossos das tartarugas-verdes encontradas nas praias  num laboratório e sempre que tentava montar a ossada, acabava sobrando um osso que ele não sabia encaixar com o restante.

Através de uma tomografia computadorizada descobriu a presença de dois ossos localizados na parte inferior das bocas das tartarugas e que, até então, segundo ele, não haviam sido registrados pela literatura científica.

Queiróz explicou que esses ossos ficam em uma região do crânio das tartarugas chamada hióide, que dá sustentação para a língua delas. São ossos que tem uma estrutura separada do crânio, que ajuda na musculatura e nunca tinham sido percebidos. De 10 tartarugas que estudou, seis tinham essa formação.

 Segundo ele, a causa da mutação, ainda não definida, pode ser atribuída a diversos fatores, entre eles, adaptação por conta da poluição marinha, pela mudança de hábitos alimentares ou até mesmo uma transformação da espécie. Queiroz prepara novas pesquisas para confirmar as causas da adaptação. Os resultados da pesquisa foram publicados em um artigo internacional.

Resíduos Sólidos

A Política Nacional de Resíduos Sólidos criada em 2010, estabeleceu um prazo de quatro anos para os municípios providenciarem a destinação ambientalmente correta do lixo gerado pela população.

Uma década depois, 2020, o Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana – ISLU, elaborado pela consultoria e auditoria PwC Brasil em parceria com o Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana – SELURB, que analisou a realidade em 3313 municípios em todos os estados do país, constatou que 49,9% das deles ainda enviam seus resíduos para depósitos irregulares e ilegais, os famosos lixões; 17,8 milhões de brasileiros sequer têm coleta de lixo em suas residências; apenas 3,8% dos resíduos são reciclados e somente 41,5% das prefeituras adotaram algum de sistema de custeio individualizado, seja por taxa ou tarifa, para remunerar os serviços de manejo de resíduos sólidos, outra medida estruturante prevista na PNRS e que ganhou relevância com o novo marco legal do saneamento.

O ISLU 2020 mostra que a Região Sul do Brasil permanece muito acima das demais em quatro das dimensões analisadas. Nela, mais de três quartos dos municípios analisados possuem algum tipo de cobrança para custear os serviços de manejo de resíduos sólidos, o percentual de reciclagem é o dobro da média nacional e mais de 85% do lixo é enviado para o destino correto.

Assim como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o ISLU avalia os municípios por uma escala que vai de zero (baixo desenvolvimento) a um (alto desenvolvimento), medindo a aderência de cada um deles às diretrizes e metas da PNRS, considerando critérios como sustentabilidade financeira, cobertura de coleta, impacto ambiental e recuperação de recursos coletados. Em 2020, foram considerados na análise 3.313 municípios, com dados coletados a partir do Sistema Nacional de Informações de Saneamento.